CRUCIFICAÇÃO DA MENDICÂNCIA
Vivemos num mundo de provas e expiações e, em algumas exceções, de missão. Somente os que ainda não se adentraram pela senda do Espiritismo podem por em dúvida estas minhas três afirmativas.
A mais importante é, sem dúvida alguma, a missão. Cabe aos Espíritos Superiores, que encarnam nos humanos missionários, a realização de atividades intelectuais e morais, as quais têm o firme propósito de avançar a evolução da nossa humanidade. E tem sido assim desde os tempos mais antigos. Os grandes pensadores, os grandes sábios e os missionários iluminados têm desenvolvido e engrandecendo a humanidade, através das descobertas científicas, da sabedoria milenar e das moralizações religiosas cristãs. A missão é uma provação ao Espírito Superior, que poderá sucumbir nos seus propósitos caso não tenha o devido discernimento e a relevância da sua missão. Se for bem sucedido, eleva-se na hierarquia espiritual, aproximando cada vez mais de Deus, tornando-se, por fim, Espírito Puro e, por conseguinte, ministro de Deus executando os seus desígnios na ordem dos mundos. A grande provação que estes espíritos sofrem é a perseguição incansável dos detentores do poder, que não desejam revoluções intelectuais e morais na espinha dorsal da nossa sociedade. Muitos que desempenham missões no planeta Terra são sumariamente assassinados. E o caso mais abrangente que se perpetuou na nossa história foi esta morte do messias Jesus Cristo. Entretanto, Jesus não fracassou perante a morte, nem perante a vida: venceu a morte e deixou um legado espiritual extraordinário à nossa humanidade.
De intermediária, temos a provação. Esta é a mais extensiva que atinge a grande maioria da população mundial. Os problemas de toda ordem da vida cotidiana das pessoas, de um modo geral, são provações que os espíritos inferiores, e nós somos espíritos inferiores, têm que passar à evolução do espírito. Atribulações cansativas, inconveniências e decepções, as mais variadas, são prerrogativas que nos fazem amadurecer o espírito rumando ao progresso espiritual. As provações nos são impostas por nós mesmos, antes de encarnar, pois o espírito sabe que as provas mais difíceis, se bem aproveitadas, os elevarão na escala evolutiva da espiritualidade. Os sofrimentos de poucas proporções emocionais e físicas são os mais comuns entre as populações do mundo inteiro. E ainda têm espíritos muito materializados que não suportam as mesmices cotidianas, e cometem, covardemente, o suicídio. Pensam que vão se livrar das aflições, que vão deixar de existir com a morte, e acabam aumentando, e muito, os seus pesares no mundo espiritual e numa próxima encarnação mais complicada.
A expiação, ao contrário das duas anteriores, é a mais complicada, a mais penosa e a mais lamentosa das provações. Toda a expiação é uma prova; mas nem todas as provações são expiações. A expiação baseia-se, fundamentalmente, em dívidas passadas que o espírito contraiu, e que tem que resgatar justamente através das reparações expiatórias. Dívidas de vidas anteriores que precisam ser pagas para a libertação do espírito endividado. Geralmente, são os próprios espíritos que escolhem o tipo de expiação; mas, às vezes, dependendo da rebeldia do espírito em permanecer no mal, Deus impõe a expiação em caráter irrevogável, não podendo o espírito se manifestar, perdendo, inclusive, o seu livre-arbítrio momentaneamente. É uma fórmula que Deus aplica para impulsionar o espírito rebelde à sua recuperação e ao seu adiantamento espiritual necessário e indispensável, pois todos os espíritos se tornarão, há seu tempo, Espíritos Puros. Temos vários tipos de expiações através de doenças graves, acidentes graves, que levam à paralisia cerebral e corporal. A escuridão dos cegos, as idiotices, as cretinices, os mais variados tipos de loucura, etc. Mas a expiação, no meu ponto de vista, mais dramática e mais terrivelmente dolorosa é a mendicância vivenciada praticamente numa vida inteira. Eis um exemplo apropriado para se entender à perda do livre-arbítrio que o espírito é submetido. Revestido da roupagem humana, sobrevive, nauseabundo, pelos rueiros das cidades, sem tomar banho, usando vestes apodrecidas, se alimentando de restos das latas de lixo, fazendo as necessidades fisiológicas em qualquer lugar – sem a devida higiene necessária. Em condições subumanas, estas criaturas desoladas ficam desprovidas de auto-estima, e sobrevivem como animais inferiores e fedorentos repelidos pelas sociedades cosmopolitas. Mas os espíritos que animam estes espantalhos humanos são suficientemente inteligentes para perceber a gravidade da situação em que se encontram, e para sorver os ensinamentos necessários para a depuração de vossos espíritos tão endividados. Mas Deus não abandona nenhum dos seus filhos, e a maioria dos indigentes que cumprem as suas expiações com fé e esperança assume posições espirituais mais elevadas, ao retornar do exílio material terreno. Pois depois de todos os prejuízos materiais e emocionais sofridos na Terra, os mendigos, que venceram as provações da mendicância, assumem posições hierárquicas mais elevadas do que a maioria dos espíritos que tiveram posições de relevo, encarnados em personalidades científicas e artísticas de renome apenas material. Mas que no plano espiritual nada significam aos desígnios de Deus.
A cruz da mendicância é realmente, no meu entender, a mais pesada das expiações que um espírito pode experimentar, em longo prazo, numa condição de ser humano muito mais inferior do que a maioria dos animais domésticos – que recebem a atenção e o carinho de seus donos. As pessoas frias e insensíveis não percebem a intensidade do sofrimento destes espíritos mendigos que dormem ao relento – nas imundícies das sarjetas putrefatas. Abandonados pelas famílias e pela sociedade como um todo, sobrevivem à mercê da má sorte, esperando, apenas, o término do juízo expiatório. Pois sabem que se agüentarem com resignação e esperança no porvir, resgatarão todas as dívidas das vidas pregressas, e alçarão o vôo de liberdade às camadas mais elevadas da espiritualidade nos universos infinitos da onipotente divindade.
FERNANDO PELLISOLI
Enviado por FERNANDO PELLISOLI em 22/09/2010