Fernando Pellisoli
Sou o Poeta da Loucura da Pós-modernidade
Textos
CHARLATANISMO


Carlos Augusto era radialista e tinha um programa musical com muita audiência. Ele era colecionador de discos vinil e, por isso, o seu repertório era o melhor na sua área de atuação. Todos queriam participar sempre do seu programa, pedindo músicas inesquecíveis. Eu mesmo dei três entrevistas no seu programa, divulgando as minhas atividades culturais e artísticas em Santa Maria.
Carlos Augusto, além de radialista, era pai de santo. E atendia as pessoas no apartamento do seu pai – lugar onde, também, fazia a sua moradia. Atendia no próprio quarto. Eu que estava enfrentando uma férrea situação familiar, sendo discriminado por todos, resolvi procurar o pai de santo no intuito de obter orientação espiritual.
Um belo dia ensolarado, eu procurei Carlos Augusto. Ele, imediatamente, me convidou para passar da sala para o quarto – que parecia mais um terreiro de umbanda. Mandou que eu me sentasse no chão, no meio do quarto. E começou a cuspir uma garrafa de cachaça pelo ambiente macabro. Depois ele sentou-se em minha frente e me perguntou qual era o problema? Relatei, minuciosamente, a minha situação familiar. Então, depois de ter explicado tudo, ele respirou fundo e me disse: a tua mãe vai morrer em dois meses! Credo, eu fiquei desnorteado sem saber o que dizer naquele momento. Pedi um copo d'água e fui-me embora sem pestanejar. Mas a minha mente não deixava de pensar no que havia dito o pai de santo. Eu contava os dias se passando, pois me preocupava saber que minha mãe iria morrer no final de dois meses. Era impossível não acreditar!
Passaram-se dois meses e nada. Minha mãe continuava mais forte do que nunca. Desgraçado, pensei. Aquele charlatão me enganou para ficar com o meu dinheiro. Brincou com a minha boa fé, com os meus sentimentos, deixando-me fundamente arrasado. Estava morrendo de ódio dele, pensando, até, em dar uma sova naquele escolho da humanidade. Mas entreguei o caso para Deus resolver. E, com certeza, ele resolveria.
Caminhava absorto pelas ruas de Santa Maria, quando ouvi alguém falar: o pai de Carlos Augusto morreu. Estava caminhando... Quando de repente caiu e morreu. Exatamente como Carlos Augusto dissera: dois meses depois, morria o seu próprio pai e não a minha mãe. Que castigo divino! Como fiquei aliviado por saber que a minha mãe estava salva daquela maldição macabra.
Carlos Augusto era sustentado pelo pai. Não tinha mãe, nem irmãos. O programa de rádio (que lhe dava prestigio e ostentação) era, também, bancado pelo seu pai. O apartamento onde morava com seu pai era de aluguel. E com a morte do pai, Carlos Augusto se viu na obrigação de entregar as chaves do imóvel. E, com isso, ficou na rua da amargura, na miséria absoluta. Abandonado pelos fãs do seu programa e pelos fiéis escudeiros do seu terreiro improvisado, Carlos Augusto se vê na indigência e completamente abandonado.
É (desta vez) a justiça não tardou, e eu me senti abençoado por Deus. Depois de dois meses de tormento, o julgamento de Carlos Augusto me deixou aliviado. Mais confiante no poder divino e menos crédulo da charlatanice humana.
Um ano depois, um mendigo me pede um trocado para comprar pão: era Carlos Augusto, e eu fiquei triste.


FERNANDO PELLISOLI
Enviado por FERNANDO PELLISOLI em 20/09/2010
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