PAIXÃO ADOLESCENTE
Lembrei-me, repentinamente, de uma paixão da adolescência, a qual não deixou de ser platônica porque eu não quis. Porque Aninha era leviana, e ela transava com a cidade inteira.
Apesar dos doze anos, Aninha era uma adolescente linda, de corpo estonteante e de rosto deslumbrante. O fascínio que ela provocava aos outros era muito mais intenso em mim, que morria de paixão envergonhada de adolescente interiorano. Eu era ainda muito imaturo, pois só tinha dezesseis anos, e era tímido. Mas admirava a beleza de Aninha. Tinha vontade de assumir o meu desejo desenfreado e me declarar. E me casar com ela (caso ela criasse vergonha na cara, é óbvio) para sermos felizes.
A mãe da Aninha era alcoólatra, e vivia numa pensão cheia de homens, num ambiente pervertido, que, não tenho dúvidas, influenciava negativamente o caráter da Aninha. As palavras obscenas, a bebedeira, o vício do cigarro eram tragados pela inocência de Aninha, que se perdia ao passar do tempo. Não havia possibilidade de salvá-la daquele mundo pernicioso, a não ser casando-me com ela. O que era inviável, pois eu não tinha nenhuma condição de assumir compromisso mais sério com quem quer que seja. Muito menos com Aninha que já estava contaminada pela vida degenerada.
Mas a minha paixão aumentava. E Aninha ficava cada vez mais bonita e mais sem vergonha. Começou a usar maconha e a andar com motoqueiros. Com isto, eu fui ficando esquecido pela minha “namoradinha”. E eu comecei a viver uma imensa frustração – longe da minha paixão de adolescente inesquecível.
Durante um ano, eu fiquei implorando que minha mãe comprasse uma moto para mim. Depois de passado um ano, eu, finalmente, consegui a minha moto. É claro que eu queria a moto para me aproximar da minha Aninha. E foi o que acabou acontecendo: tirei a Aninha dos motoqueiros, oferecendo a minha carona como a melhor de todas. Mas para mantê-la sob a minha direção me vi obrigado a usar maconha, pois era do agrado dela fumar a erva daninha. E se eu quisesse ser o gato da Aninha tinha que ser o melhor motoqueiro e, ainda, ser maconheiro. E como eu era estupidamente apaixonado por Aninha, submetia-me aos caprichos dela.
Lembro-me de um dia qualquer, que nós estávamos descendo a Avenida Rios Brancos. De repente, nós levamos um tombo feio: a moto, eu e Aninha (agarradinhos) deslizamos no asfalto quente. Aninha não se machucou. Eu fiz um buraco no joelho esquerdo. E a moto ficou com a direção torta. Nós saímos do mesmo jeito, dando risadas, a desfilar pela cidade – que nos olhava de um jeito meio assustada. Na verdade, eu não me importava com nada quando estava do lado de Aninha. Sentia uma sensação de felicidade. O meu coração batia mais forte, e eu conseguia acreditar que a vida valia a pena de ser vivida intensamente.
A mãe de Aninha me confiava à filha (Aninha queria ir à boate. E eu tinha a permissão para levá-la) de uma maneira cega, onde eu ficava com a responsabilidade de cuidar da filha. Mas Aninha era insuportável, inquieta e inconseqüente: bastava surgir um pilantra com droga, que Aninha sumia da boate. E me deixava plantado, feito uma besta, imaginando as loucuras que ela iria fazer. No outro dia, agia como se nada tivesse acontecido. Eu me aborreci – nunca mais levei a Aninha a lugar algum, exceto para passear de moto. Expliquei à minha “sogra” que Aninha não me respeitava. Por isso não era mais possível levar Aninha em lugares noturnos. Enfim, livrei-me do compromisso.
Enquanto os maconheiros continuavam a fumar e transar com Aninha, eu me guardava em abstinência. Não queria usar Aninha. Queria que ela se tornasse uma mulher de verdade. Que tivesse consciência dos seus atos. E como era difícil não usufruir daquele “filezinho” irresistível: aconteceu num dia que eu estava sozinho em casa. Aninha apareceu, de súbito, na minha porta. Entrou e foi logo querendo ir para o quarto. Depois de fumarmos um baseado, ela despiu-se suavemente. E se ofereceu todinha só para mim. Eu fiquei estupefato com tamanha beleza. Era, de fato, uma ingente tentação. E meu corpo desejou ardentemente aquela pequena mulher maravilhosa. Mas eu me contive. E nada aconteceu. E Aninha, desanimada, foi embora.
Passaram-se alguns meses, alguns amigos vieram me contar: Aninha estava de casamento marcado na Catedral de Santa Maria. Queriam que eu impedisse o casamento, pois Aninha me amava. Ora, eu disse, eu e Aninha não passamos de uma grande e inesquecível fantasia. E Aninha se casou.
Eu fui para o Rio de Janeiro e, também, me casei. Depois de sete anos, separei-me. E retornei para Santa Maria.
Estava passeando pela rua Cel. Niederauer, onde se localizava o apartamento de minha mãe, quando fui interpelado por uma mulher gorda: era Aninha! Já era mãe de cinco filhos, e estava no segundo casamento. Conversamos por alguns minutos e nos despedimos: nenhum telefone, nenhum endereço, nada além de um breve sorriso que se perdeu no tempo. E nunca mais eu a vi. Só ficou a saudade da paixão adolescente e angelical que eu senti por uma adolescente linda.
FERNANDO PELLISOLI
Enviado por FERNANDO PELLISOLI em 19/09/2010