Fernando Pellisoli
Sou o Poeta da Loucura da Pós-modernidade
Meu Diário
22/09/2010 00h30
RECORTES INFANTIS
 
Apesar de ter sido um aluno especial (aluno nota dez), sempre vivi uma infância normal e alegre: gostava de jogar bolinhas de gude com os meus amiguinhos; gostava de andar com carrinho de rolamento; gostava de jogar muitas bolinhas de gude com o meu bodoque; gostava de brincar nas sarjetas, nos dias chuvosos, com barquinhos de papel; gostava de subir em árvores; gostava de ter as minhas namoradinhas: era tão conquistador, que as namoradinhas do meu irmão queriam namorar comigo - usava do meu charme e dos meus olhos azul-esverdeados desde muito cedo; mas nunca tive a intenção de competir com o meu irmão: elas que acabavam sempre querendo ficar comigo... É claro que eram tudo infantilidades pueris, nada mais...
Sempre fui um ótimo aluno; mas era um menino muito moleque, e sempre me via envolvido em confusões: uma vez, eu estava brincando encima de uma árvore, quando, repentinamente, eu caí – não fosse um galho enviesado, onde eu enrosquei os meus braços, amortecer a minha queda; eu teria quem sabe até morrido... Outra vez, eu estava correndo, num dia chuvoso, e cravei um enorme caco de vidro no meu pé direito: não fui ao médico, apesar do corte ter sido grande; e minha mãe me curou, pasmem, com borra de café – estancando o sangue... Lembro-me como se fosse hoje: na frente da minha escola, um grandalhão metido a menino fortão oferecia o seu peitoral, e os meninos soqueavam-no – ele dava boas risadas... Eu me aproximei dele e perguntei se eu podia soqueá-lo, também... Claro que sim, foi o que ele respondeu... Eu, prontamente, fechei bem a mão direita e dei-lhe um soco nas fuças dele: começou a escorrer sangue do nariz dele... Ele ficou muito zangado e se pôs a me perseguir ferozmente... Entrei no pátio da casa de um amiguinho meu, escapando da fúria do grandalhão metido a espertalhão... Depois, vivia desviando dele para não levar uma grande surra do valentão...
Uma vez, eu estava brincando com o meu irmão de um atirar pedra no outro: estávamos a 10 metros um do outro, e vá jogar pedra e se agachar: de repente, ergui-me para atirar uma pedra; mas o meu irmão foi mais rápido – e acertou-me uma pedrada no meu olho direito... Por muito pouco, não perdi o meu pobre olho... Outra vez, eu estava no quintal da minha casa, olhando duas menininhas numa casa a uns 50 metros da minha: elas começaram a se assanhar e a levantar os vestidinhos pra mim: eu adorei e fiquei a apreciar as calcinhas das cabritinhas... O pior aconteceu: o irmão mais velho delas viu o acontecido – perseguiu-me na rua, jogando cascalhos nas minhas costas... Agora é que eu lembrei que gostava de brincar de bandido e mocinho, com belos revólveres, sempre fazendo o mocinho, porque era o menininho mais bonitinho da redondeza – minto, o mais bonitinho era o Teté (um lindo menino)...
Gostava de colecionar álbuns de figurinhas, e ganhava muitos brindes da Coca-Cola com as minhas notas dez... Desde muito cedo, com sete anos de idade, já esboçava os meus primeiros desenhos e escrevia os meus primeiros poemas; e sempre fui um ótimo aluno e muito estudioso... O meu pai, que era militar, era muito disciplinador; e usava um chicote de cavalos de corrida para impor respeito e uma disciplina exemplar: tomei três surras do meu pai: a primeira foi no meu primeiro dia de aula – quatro alunos me jogaram de uma plataforma numa poça embarrada... O meu uniforme branquinho ficou todo enlameado: eu voltei para casa chorando; mas meu pai disse que eu deveria ter me defendido dos engraçadinhos – e me deu uma surra, dizendo que eu teria que pegar um por um e surrá-los... E foi assim que eu fiz, cumprindo as ordens do meu pai... A segunda surra foi por um fiasco: estava apertado, na sala de aula, para ir ao banheiro fazer cocô... Pedi várias vezes para sair da sala; mas a professora, a minha rica professora, não permitiu que eu saísse: acabei por fazer na cadeira onde eu estava sentado... A desgraçada, parece que percebendo, manda que eu vá ao quadro negro fazer um exercício: levantei-me, contraindo a bunda, já todo borrado, e fui ao quadro negro, resolvendo o problema exemplarmente... Tocou a campainha, e eu saí da sala (alcançando à rua) chorando, e foi chorando que eu contei para o meu pai o que havia acontecido... Meu pai tirou as minhas roupas fedidas, e me deu um bom banho... Depois, pegou o chicote e me deu uma tremenda surra, dizendo que eu deveria ter saído da sala – mesmo contra a vontade da professora... A terceira surra (e última surra) foi porque, numa brincadeira, eu dei um soco nas costas do meu irmão, que corria tentando fugir de mim – ele acabou caindo no chão... O coitado do meu irmão, que não gostava de estudar, e de obedecer, vivia sempre levando surras homéricas, e elas doíam...
Quase que me esqueço de dizer a vocês que eu gostava muito de jogar futebol com os meus amiguinhos; mas nunca fui um grande jogador na linha – entretanto, eu era insuportável como goleiro... Outra diversão muito gostosa era soltar pandorga: quando tinha que entrar em casa, a  deixava amarrada no chão – fincando um pedacinho de pau amarrado na linha...  Mas nunca usei cerol para cortar as outras pandorgas que tremulavam nos ares dos pampas...
Com certeza, houve outras brincadeiras que me estão esquecidas de momento; mas não posso deixar de relatar o acontecimento mais crucial da minha infância: fui nadar num açude de águas escuras com um amiguinho e o meu irmão... O meu irmão não quis entrar na água, pois os três não sabiam nadar: o meu amiguinho entrou, e eu entrei em seguida... Estávamos brincando quando o meu amiguinho começou a se afogar: fui para perto dele, tentando ajudá-lo; mas ele me deu um puxão, e eu caí de costas... Ficamos os dois a se afogar; mas o meu irmão não teve coragem de me estender à mão (eu estava próximo do barranco), enquanto eu subia e descia engolindo muita água... Um negrinho, na margem do outro lado, mergulhou em nossas direções – ele só viu o meu amiguinho, começando a salvá-lo... Eu já estava descendo pela quarta vez, despedindo-me da vida, e no desespero final; acabei por agarrar algo – segurei com todas as forças que ainda me restavam: era o pé do meu amiguinho que estava sendo salvo... Ele foi puxado para fora do açude, e eu acabei sendo puxado junto: estava inchado de tanto que engoli água, jorrando água suja pela boca... Não morri, mais uma vez, em breves segundos...
  
Publicado por FERNANDO PELLISOLI
em 22/09/2010 às 00h30