Fernando Pellisoli
Sou o Poeta da Loucura da Pós-modernidade
Textos
À MULHER DA MINHA VIDA


O tempo passou vertiginosamente, depois que um desvario interrompeu o nosso relacionamento amoroso, tanto que nem percebi as metamorfoses da minha matéria; mas, enfim, foram vinte anos de intenso sofrimento sem a presença mágica, mediúnica e endeusada da tua excepcional formosura... E confesso que o meu corpo atlético já não é mais o mesmo: estou um pouco barrigudo, perdi a minha bunda e as minhas pernas roliças afinaram... E os meus cabelos esbranquiçaram, meu rosto engordou junto com o corpo (é evidente), e estou ainda mais feio do que já fui: até o olhar dos meus olhos azuis-esverdeados perdeu aquele brilho de felicidade que existia ao teu lado... Mas por um lado foi bom, pois pude me espiritualizar e me livrar daquela minha vaidade excessiva de me julgar um Apolo... Agora estou usando barba, e as mulheres estão notando certo charme que exala do meu rosto barbudo – uma barba sempre bem desenhada e aparada pelo meu barbeiro... Você sempre me dizia, quando eu tirava a minha barba, que se alguém dissesse pra mim a inverdade de que eu fico mais bonito sem barba, era, indubitavelmente, um inimigo meu...
Quanto aos meus sonhos de artista vanguardeiro, não consegui deixá-los de lado, ainda que as minhas dificuldades financeiras e o meu ingente sofrimento tenham me afastado de me tornar uma celebridade... Mas estou mais artístico do que nunca estive, produzindo muita literatura e sonhando com as minhas atividades artísticas polivalentes – pois como você bem sabe, eu sou um artista eclético e versátil em tudo o que eu sei fazer: aumentaram os meus predicados artísticos depois da nossa separação, e você tornou-se a minha musa inspiradora no meu universo artístico... E nunca deixei, em nenhum segundo neste distanciamento ilógico, de amá-la como uma deusa, pois foi sempre assim que você se fez presente em minha vida sonhadora... Pude amá-la como a ingente estrela que me guia mediunicamente – digo me guia porque sei do teu poder telepático me enviando mensagens de incentivos perseverantes... Sei que estamos sempre juntos, apesar desta saudade material que sempre me entristece incomensuravelmente: gostaria de abraçá-la e beijá-la como antigamente; mas estamos morando em estados diferentes, e eu não sei do teu paradeiro...
Quando nos separamos, você contava com apenas 23 anos de idade, e eu com apenas 32 anos de idade: estou com 52 anos e você com 43 anos – será que a tua vida foi menos atroz com a tua formosura? Será que a tua escultura de deusa grega também sofreu com as intempéries do tempo? Será que está feia e gorda? Se por motivos de força maior, você perdeu a tua beleza; eu fico me perguntando como será a minha reação ao te rever meu grande amor... Terei uma grande frustração materialista; ou a minha espiritualidade de filósofo e pensador espiritista vai se impuser? Talvez o êxtase da nossa Lagoa Azul nunca mais se repita; mas será que o nosso amor não está acima de todos os preconceitos do materialismo cético? Quantas vezes eu me pergunto se as metamorfoses das nossas matérias não podem diluir os meus pensamentos amorosos – de um purismo magnífico? A minha paixão de adolescente era uma criatura linda: depois de muitos anos da nossa separação, tendo casado cinco vezes, a encontrei pelas ruas de Santa Maria: espantei-me com a sua feiúra e a sua gordura de quem pariu oito vezes... Conversei rapidamente com ela, e escapei sorrateiramente - vertiginosamente decepcionado... O que a vida faz com as pessoas belas, destruindo as suas aparências, é uma comprovação de que esta vida material é fugaz, frívola e efêmera, comprovando que os valores espirituais é que são fundamentais – a beleza é passageira e uma grande ilusão de que somos o que na verdade não somos: eternos... Eternos sim; mas como seres espirituais que somos...
Não tenho dúvidas que continuarei a te amar, ainda que a tua beleza tenha te transformado num dragão, numa bruxa horripilante, pois os nossos espíritos têm uma preciosa afinidade de uma harmoniosa sinfonia... Você que nunca se preocupou com os meus defeitos, e me amou sempre como se eu fosse o único homem sobrevivente aos teus encantos de deusa estonteante; não haverá de se horrorizar com o meu visual de cinqüentão aposentado... Tenhamos complacência com os desígnios de Deus e suas leis imutáveis, pois um grande amor inesquecível não pode acabar por motivo de ordem biológica – onde a estética das pessoas se altera à medida que o tempo nos martiriza... Tenho vontade de te dizer com todas as letras: eu te amo! E não há nada neste mundo material que possa sufocar a intensidade deste meu sentimento amoroso, nesta loucura escarpada de te amar infinitamente – ainda que a distância me faça sofrer incomensuravelmente pelos esconderijos dos labirintos do meu subconsciente... E o meu hermetismo erudito poético tem te elevado às alturas do nosso firmamento cosmológico, onde as estrelas rutilam a altivez do nosso amor...
Sinto que o teu amor continua intenso, e, no momento certo, sei que estaremos reaproximados para sermos parcialmente felizes até os nossos momentos derradeiros... Se eu tiver que morrer primeiro, pois sou o mais velho, que os lucros das minhas artes possam te ofertar um conforto digno de uma deusa grega; ainda que a tua escultural beleza já tenha sido deformada nas tempestuosidades do tempo...







FERNANDO PELLISOLI
Enviado por FERNANDO PELLISOLI em 17/09/2010
Alterado em 18/09/2010
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