Fernando Pellisoli
Sou o Poeta da Loucura da Pós-modernidade
Meu Diário
16/10/2010 00h12
MELANCOLIA DUM MOTOQUEIRO
 
Um motoqueiro louco e melancólico é algo inenarrável, e insisto em afirmar que se a cinematografia americana tivesse filmado os meus quatro anos de motoqueiro endiabrado, haveria de ter virado celebridade – e quem sabe herói... Lembro como se fosse hoje: estava estacionado, e resolvi sair levantando a roda dianteira para fazer bonito; mas eu acelerei demais e perdi o controle da moto, indo de encontro a um carro estacionado no outro lado da rua – sem nenhuma maldade, arranhei toda a lataria do automóvel, que permaneceu imóvel, enquanto eu zarpava em disparada...
Numa madrugada calorenta, depois de um baile, resolvi tirar a moto da garagem às 5 horas, completamente embriagado e chapado; acompanhado de um camarada meu: já saí batendo no portão do prédio, e desci uma rua tipo ladeira acelerando o máximo possível – e um grande detalhe: já tinha seis meses que eu estava sem embreagem, segurando a moto no câmbio... Passei voando por uma praça, onde dois brigadianos faziam a ronda... Três quadras abaixo, eu olhei pra trás para falar com o meu parceiro, e subi na calçada; batendo a moto e eu na fachada de uma casa de material: fiz um rombo de dois metros na casa, amassei a direção da moto, rasguei um casaco emprestado pelo meu irmão e o meu parceiro gemia estendido na calçada... Eu já estava tentando fazer a moto ligar, enquanto percebia que os tais brigadianos estavam vindos em nossa direção... A moto não voltou a funcionar, e pela primeira vez, depois de dois anos motoquiando em Santa Maria, era contido pela brigada militar: enquanto um deles foi buscar o carro guincho, o outro ficou segurando o meu braço – e por mais que eu pedisse para ele me liberar, pois morava a cinco quarteirões dali, não houve jeito de haver negociação... Guincharam a minha moto, e eu fui parar numa delegacia: sem documentos meus e da moto; tive que aceitar a apreensão da moto... Mas 15 dias depois, um amigo meu graúdo deu um carteraço e conseguiu a liberação da minha moto...
Noutra madrugada, saindo de um baile, vinha subindo a rua principal de Santa Maria, com o boró escancarado, sem pára lamas, quando, repentinamente, numa distância de 100 metros, um brigadiano empunhou um revolver em minha direção, e me deu voz de prisão: 100 metros eram muita distância para um motoqueiro louco e hábil como eu; fiz o contorno em segundos, e disparei em ziguezague, dobrando na primeira esquina que me surgiu... Se o brigadiano tivesse atirado, talvez eu não estivesse aqui a escrever a minha autobiografia... Ou talvez estivesse paraplégico...
As garotas bonitinhas gostavam de andar na minha carona, porque eu era um bom rapaz respeitador: uma vez, uma delas me pediu uma voltinha... Ela estava vestindo um pala gaúcho, e eu pedi para ela tirá-lo: ela insistiu dizendo que tomaria todo o cuidado, segurando o pala entre as suas pernas... Acabei por deixá-la subir na moto com o dito pala; mas passados alguns minutos do passeio, inesperadamente, a minha moto travou, e me jogou por cima a uns 4 metros de distância... Quando eu me recuperei do susto, fui ver o que tinha acontecido: o tal pala estava todo corroído na Correa salvação dela foi devido o pala ser aberto na cabeça, o que a fez deslizar sobre a cabeça da garota... Fiquei muito zangado com a garota, pois havia prevenido do perigo...
Tem uma história muito engraçada que me aconteceu: estava num barzinho, sem a minha moto, pois estava sem dinheiro para botar gasolina, e encontrei um amigo meu – que era motoqueiro, bastante embriagado... Ficamos conversando um pouco; mas eu falei para ele que deveria ir para a sua casa, pois já tinha passado da conta... Ele pagou a conta e me pediu que fosse pilotando a sua moto: assumi a direção da moto, com ele na garupa, e fomos embora... Passando por uma rua escura, fui reconhecido por uns fanzocas meus: acabaram por me desafiar, e eu odiava ser desafiado encima de uma máquina... Disseram que já que eu era o Gomes louco, então que eu passasse para a carona, dando o controle para o dono embriagado... Depois, eu deveria passar por baixo do piloto, com a moto a 40 kl por hora, e assumir o controle, passando o piloto para a carona... Tudo isso parecia ser impossível de se fazer, contando que o dono da moto estava bêbado... Mas eu gostava de desafios, e aceitei a maluquice: pedi que todos sentassem na beirada da calçada para assistirem a minha proeza, e para que nunca mais duvidassem de um louco... Passei o dono da moto para o controle, e sentei-me na carona ansioso: pedi que fizesse o retorno, atingindo a velocidade de 40 kl por hora... Quando estávamos quase nos aproximando da platéia, falei para o dono da moto erguer o seu corpo, pois eu iria passar por baixo... E foi o que aconteceu, com um pequeno detalhe: quando eu passei por baixo, ele ficou encima de mim – a moto começou a ladear em ziguezague, e pressenti que iríamos cair os dois... Mas eu, que não brincava em serviço, empurrei o dono da moto para trás, e, por alguns minutos, eu lutei com aquele cavalo de ferro descontrolado... Desviei duma árvore, subindo numa calçada, raspei o pára-lama na parede de uma casa e estacionei a moto intacta, sem nenhum arranhão... Quando olhei para trás, eu vi o dono da moto estendido no asfalto, gemendo de dor... Os fanzocas ficaram abismados com o que viram, e me pediram desculpas por terem me testado... E eu dei boas risadas, ergui o dono da moto e o levei ao hospital mais próximo para ver se havia algo agravante, além dos prováveis arranhões... Ficou tudo bem, e eu o levei até a sua casa que, felizmente, era perto da minha...
Uma grande loucura que eu fiz é de se duvidar: um amigo meu me deu uma carona na sua moto, e eu resolvi fazer graça aos transeuntes: pedi para ele fazer o retorno à rua principal de Santa Maria, e que ele mantivesse uma velocidade de trinta kl por hora; pois que eu iria saltar da garupa e sair correndo sem cair ao chão... A loucura foi realizada, e eu saltei e comecei a correr: perdi as forças das pernas e fui parar embaixo de uma caminhoneta, esfolando os meus braços e a minha barriga – foi uma grande estupidez e uma situação horripilante...
Como eu disse foram quinhentos tombos e duzentos acidentes; impossível de lembrar tantas ocorrências – mas gostaria, para encerrar estas maluquices, de dizer que nós, os motoqueiros maconheiros aloucados, tínhamos uma gangue de uns 100 motoqueiros arruaceiros... Saímos nos horários de entradas escolares, para azucrinar as menininhas na entrada das aulas... Os brigadianos ficavam furiosos com as nossas algazarras, e tentavam nos dar bordoadas com os seus cassetetes: mas todos nós éramos impossíveis, e não medíamos esforços para impressionar e chamar a atenção das gatinhas... Soube que eu sou o único sobrevivente desta gangue, pois todos morreram acidentados com as suas devidas motocicletas... Eu fico até arrepiado, pois eu era o único louco de verdade; mas Deus protege as crianças, os bêbados e os loucos...
A perda da minha grande paixão proporcionou-me esta melancolia agressiva, onde a minha moto me fazia o papel de um analista; podendo extravasar as minhas angústias, os meus medos e os meus desgostos existenciais... 
 
 
 
                                     
Publicado por FERNANDO PELLISOLI
em 16/10/2010 às 00h12