Fernando Pellisoli
Sou o Poeta da Loucura da Pós-modernidade
Meu Diário
12/10/2010 08h28
MOTOQUEIRO ALOUCADO
 
Aos 17 anos de idade, eu consegui convencer a minha mãe; e ela comprou-me uma moto yamarra modelo cross 125 cilindradas: eu penso que foram as poucas cilndradas que salvaram a minha vida, tamanha foram as loucuras que eu aprontei encima do meu cavalo xucro de ferro... Antes de ganhar a moto de presente da minha mãe, estava desenhando e escrevendo regularmente: o gosto pelas artes já vinha dos tempos infantis, onde com 7 anos de idade, dentro da sala de aula, depois de ter acabado as tarefas escolares na frente da turma, escrevi o meu primeiro poema – e nunca mais deixei de poetar... E com 7 anos, já desenhava um desenho estilizado e personalizado, que despertava o interesse pelos colegas e pelos professores; mas nunca recebi incentivo cultural às minhas artes precoces...
Com o fascínio do motociclismo, interrompi a minha produção literária, e passei a andar de moto 24 horas por dia; mal tendo tempo para me alimentar e dormir... Eu queria me tornar o melhor motoqueiro e o mais audacioso, para chamar a atenção da minha lindinha, afastando-a da influência negativa dos motoqueiros maus e arruaceiros e maconheiros... A minha lindinha, apesar de perceber que eu era um motoqueiro duro na queda; exigiu que eu passasse a consumir maconha e a cheirar cocaína, para ela voltar a ser a minha lindinha... Eu estava perdidamente apaixonada por ela, e não tive outra alternativa a não ser me submeter às exigências da minha doce bonequinha...
Andava na minha moto sempre chapado: as loucuras que eu cometia no trânsito de Santa Maria, enlouquecendo os motoristas de carros, de ônibus e lotações, sem deixar de contar os transtornos que eu causei aos brigadianos santa-marienses... A minha moto nunca foi emplacada, e eu nunca tirei carteira de motorista na minha vida: vivia escapando dos terríveis brigadianos, apresentando infinitas audácias, com manobras inenarráveis, que enlouquecia a cidade inteira... E passei a ser conhecido como o Gomes louco...
Milhares de conhecidos caíram de moto comigo, ou melhor dito; todos que andaram na minha garupa, derraparam nas curvas junto comigo... Foram mais de quinhentos tombos e mais de duzentos acidentes de trânsito em 4 anos de condução motociclista irregular... Havia em mim uma fúria rebelde pela minha acne crônica, uma tristeza imensa pela falta do meu pai e uma angústia por ter interrompido o 1º grau... Nem o meu irmão que era meio nervoso e medroso; não escapou de levar grandes trompadas e grandes tombos de cinema... Se tivessem me filmado durante estes 4 anos de motoqueiro louco e rebelde, seria consagrado nos Estados Unidos... Até a minha lindinha derrapou numa curva comigo, e deslizamos no cascalho agarradinhos; dando loucas risadas...
Talvez se eu pudesse lembrar de todos os tombos e de todos os acidentes que eu provoquei, haveria de escrever um filme com ações cinematográficas... Depois de muitos tombos e muitos acidentes, a minha moto foi ficando deformada e com o tanque todo amassado... Sem dinheiro para consertá-la, fui perdendo o amor que tinha por ela; e me tornei um motoqueiro muito mais agressivo: retirei os pára-lamas e abri o cano de descarga, ficando com um barulho insuportável... As minhas estripulias pela cidade, as minhas correrias inconseqüentes deixavam todos os brigadianos endiabrados comigo: uma vez, eu vinha voando por uma das ruas principais de Santa Maria; quando o sargento tala larga, com dois de seus brigadianos, tentou me deter bloqueando a minha passagem... Ele cometeu o erro de fazer a barreira quando eu ainda estava a uns 100 metros deles: não tive dúvidas, acelerei a minha máquina investindo contra os três brigadianos que ficaram boquiabertos – acabei atingindo o sargento tala larga com um pontapé no peito, que o derrubou... Os dois brigadianos ao tentar segurar o sargento, acabaram caindo juntos: foi muito engraçado, e todos que assistiram de camarote deram boas risadas...
Uma vez, eu estava descendo uma das ruas principais de Santa Maria, e uma camioneta passou voando por mim, fazendo provocações e enfumaçando a minha moto: eu estava com o meu irmão na garupa – avisei para ele se firmar bem na moto, pois iria perseguir o motorista atrevido daquela camioneta de bacana... E fui acelerando o máximo para alcançá-lo: como ele tinha mais máquina do que eu, o desgraçado deixava eu me aproximar e pisava fundo... E nesta perseguição desleal e inconseqüente, fui avisado pelo meu irmão que havia uma Kombi descarregando cigarros logo mais à frente... Disse-lhe para se segurar muito bem, pois eu não iria diminuir a velocidade: um grande estrondo, e eu arranquei a porta da Kombi – o rapaz que estava descarregando os cigarros apavorou-se e jogou-se para dentro da Kombi, salvando a sua vida... Eu bati muito forte com o joelho esquerdo e esmaguei a minha mão esquerda na embreagem: a minha mão ficou tão inchada, que eu tive que manobrar a minha moto só no câmbio até a minha casa...
Uma vez, um motoqueiro dos mais loucos e bons me provocou para um pega: subimos os dois super acelerados numa rua elevada, e quando entramos na primeira curva, só Deus sabe o que aconteceu... Eu estava correndo por fora, e ao fazer a curva aberta, havia uma fusqueta velha dando marcha-ré bem na esquina: não tive outra alternativa, larguei a moto e pulei; pois a moto foi parar embaixo do fusca, e eu encima do capô da lata velha...
Outra vez estava subindo a rua principal de Santa Maria, numa velocidade média, quando um motoqueiro, com uma 450cilindradas, passou chispando por mim; deixando uma fumaceira sobre mim: não tenham dúvidas, pois eu, com a minha cross 125 cilindradas, acelerei tudo que a minha máquina suportava – estávamos na quarta quadra da rua principal, e a primeira quadra, naquela manhã ensolarada, estava cheia de magrinhos encostados nos carros, curtindo um bate-papo informal... Fui invadindo a terceira quadra, e o motoqueiro arrogante na frente; mas quando ele aproximou-se da segunda quadra, a sua valentia fraquejou, reduzindo o seu cavalão de aço... Eu que não dormia de toca, passei zunindo pelo abobado, jogando muita fumaça na cara dele; mas ao me deparar com a primeira quadra fiquei sem poder pensar muito, devido a alta velocidade da minha moto: a primeira quadra estava apinhada de carros engarrafados e, pasmem meus leitores, todas as minhas sinaleiras ficaram entortadas... Risquei as portas de dezenas de carros, até me livrar da primeira quadra e fazer o contorno para deixar a minha moto em casa, pois todos queriam me linchar se tivessem podido me alcançar... Guardei a moto na minha garagem, e fui me encostar nos carros da primeira quadra, para ouvir a balbúrdia que eu provocara: o sargento e seus brigadianos diziam: eu ainda pego o Gomes louco!
Esta minha impetuosidade era devido a minha revolta que eu tinha com a minha vida de sofrimentos (devido a minha acne crônica), e, principalmente para conquistar o amor da minha lindinha, por quem eu era tão apaixonado... E de fato, eu conseguira manter a minha bonequinha o maior tempo possível ao meu lado; mas infelizmente, eu era obrigado a fumar maconha e cheirar cocaína: precisava provar para ela que eu era um louco de verdade... Mas infelizmente, o nosso namoro degringolou-se; e a minha lindinha casou-se com um artesão aventureiro e foi-se embora de Santa Maria: fiquei muito melancólico por dois anos, e depois decidi ir para o Rio de Janeiro tentar a vida como modelo e ator – vontade de sonhar não me faltava...
 
                            
Publicado por FERNANDO PELLISOLI
em 12/10/2010 às 08h28